No meio do rio, entre as árvores, Dulce Helfer navega na embarcação Igara Catuçaua e abre seu olhar azul para encontrar a Amazônia verde. A exposição fotográfica “Tão Perto, Tão Longe”, além de ser uma evidente referência a obra de Wim Wenders, inspira-se na impecável fotografia que é marca registrada do diretor alemão, para, além disso, e principalmente, representar a busca de um diálogo com este paraíso terrestre que ainda ignoramos: a Amazônia.
Um lugar em que não existe distância entre o céu e a terra, onde todos os planos geométricos conhecidos se rendem e se fundem no horizonte verde da floresta. O rio Solimões é um dos espelhos líquidos da nossa civilização, que não reconhece o berço da sua natureza. Sobre si nuvens deságuam também em forma de rio, e as árvores crescem em todos os sentidos, para cima e para baixo, sendo verdadeiras ligações que unem tempo e espaço.
Na menina de olhar negro e pele vermelha, toda a expressão da autêntica origem do povo brasileiro. Nas lentes, só o reflexo de uma identidade que ainda não reconhecemos. Nas sementes dos frutos que estão presas a pele, visualizam-se extensões dos sentidos que afloram por todos os poros desta gente ribeira, cujo corpo é parte permanente da paisagem. Na tentativa de enquadrá-lo surge a janela renascentista, traço da cultura ocidental que nos formou e, passado mais de 520 anos, estranha a moldura da mata.
A escala gigantesca ainda nos assombra.
Ali na mulher que morre diante da lente da artista, é a fotografia que vira cinema; é a vida como um longo e bom filme que não teme o fim, que vive e se renova, como as flores, os frutos, a natureza a todo redor. Os caminhos, as comidas, o trabalho manual, as crianças, os peixes e os pássaros, as barcas, o vaivém, as comunidades, uma identidade sem fim que, todavia, ocultamos...
Este é nosso elo perdido, o cordão umbilical com a nave mãe. A viagem que Dulce Helfer fez, e agora nos convida a experimentar, respira o clima desta atmosfera planetária para revelar nas suas sensíveis imagens a terceira margem de uma história brasileira, que ainda não tivemos coragem de conhecer e vivenciar. Talvez por temer a eterna travessia, ou a busca de um lugar líquido que flui numa velocidade que pensamos ser outra.
André Venzon
Curador