Há muito tempo estava à espera de um clic, que suscitasse, na minha memória, na minha imaginação e na minha sensibilidade, as condições mínimas de inspiração, propícias à análise - no espaço intermédio entre a pele e a alma, entre a visibilidade e o coração.

 

As fotos de Dulce Helfer revelam o grau de compaixão que sente pela humanidade. Que ela sente pelos homens, pelas mulheres concretas, que tropeçam uns nos outros, em nossas cidades barulhentas e atravancadas. Pelos homens e mulheres, que não entram no seu aparelho fotográfico, e que continuam a esparramar mundo afora desamparo de criaturas, a pobreza de seus lares, a falta de ideais de suas existências, a falta de tudo que se sobrepõe à animalidade, nesse novo admirável mundo novo da Globalização.

 

É que existe na Dulce algo de intrinsicamente humano, que a torna para seus amigos, uma autêntica amiga.

 

Armindo Trevisan

FOTOGRAFIAS

Amazônia: "Tão Perto, Tão longe"

No meio do rio, entre as árvores, Dulce Helfer navega na embarcação Igara Catuçaua e abre seu olhar azul para encontrar a Amazônia verde. A exposição fotográfica “Tão Perto, Tão Longe”, além de ser uma evidente referência a obra de Wim Wenders, inspira-se na impecável fotografia que é marca registrada do diretor alemão, para, além disso, e principalmente, representar a busca de um diálogo com este paraíso terrestre que ainda ignoramos: a Amazônia.

 

Um lugar em que não existe distância entre o céu e a terra, onde todos os planos geométricos conhecidos se rendem e se fundem no horizonte verde da floresta. O rio Solimões é um dos espelhos líquidos da nossa civilização, que não reconhece o berço da sua natureza. Sobre si nuvens deságuam também em forma de rio, e as árvores crescem em todos os sentidos, para cima e para baixo, sendo verdadeiras ligações que unem tempo e espaço.

 

Na menina de olhar negro e pele vermelha, toda a expressão da autêntica origem do povo brasileiro. Nas lentes, só o reflexo de uma identidade que ainda não reconhecemos. Nas sementes dos frutos que estão presas a pele, visualizam-se extensões dos sentidos que afloram por todos os poros desta gente ribeira, cujo corpo é parte permanente da paisagem. Na tentativa de enquadrá-lo surge a janela renascentista, traço da cultura ocidental que nos formou e, passado mais de 520 anos, estranha a moldura da mata.

 

A escala gigantesca ainda nos assombra.

 

Ali na mulher que morre diante da lente da artista, é a fotografia que vira cinema; é a vida como um longo e bom filme que não teme o fim, que vive e se renova, como as flores, os frutos, a natureza a todo redor. Os caminhos, as comidas, o trabalho manual, as crianças, os peixes e os pássaros, as barcas, o vaivém, as comunidades, uma identidade sem fim que, todavia, ocultamos...

 

Este é nosso elo perdido, o cordão umbilical com a nave mãe. A viagem que Dulce Helfer fez, e agora nos convida a experimentar, respira o clima desta atmosfera planetária para revelar nas suas sensíveis imagens a terceira margem de uma história brasileira, que ainda não tivemos coragem de conhecer e vivenciar. Talvez por temer a eterna travessia, ou a busca de um lugar líquido que flui numa velocidade que pensamos ser outra.


André Venzon

Curador

 

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